Ontem, no Rio de Janeiro, os termômetros de rua iguais ao que a Fernandinha Abreu usou no clipe Rio 40 graus, marcavam “só” 28º. Em São Sebastião não tem termômetro público, mas conferi pelo iPhone que a máxima era a mesma: 28º. Quer dizer, aquilo que aqui de São Paulo a gente define como “a praia” e associa com sol e calor agora está a setecentos metros e seis graus abaixo de nós, porque 34º foi a nossa máxima.
Hoje as coisas já voltaram ao normal, com o Rio a 37º, São Sebastião a 39º e São Paulo a 34º. Quer dizer, normal na proporção, porque esse calor em pleno inverno de normal não tem nada. Aliás, nem no verão. Qualquer temperatura acima de 22º para mim é exótica. Normal é Porto Alegre, que ao meio dia marcava civilizados vinte graus à sombra.
Não digo que São Paulo está esquentando. Minha impressão é que já não esfria. Não tem por onde. É pedra pra todo lado, e não tem brisa, as árvores são poucas, assim como os lagos e as fontes – que por sinal seguem desligadas. E tem os motores dos carros, cada qual um forno, funcionando regularmente. O estado é de calamidade mesmo.
A gente precisa sair dessa olhando adiante. Não vale a pena apontar os culpados pelo caminho errado. O século vinte produziu desastres urbanísticos e ambientais no mundo inteiro: em nome do desenvolvimento desmatamos, poluímos, endireitamos, cobrimos e matamos rios e córregos, construímos avenidas, viadutos e outras aberrações para atender nãos aos carros, mas as pessoas que vão neles, e só recentemente percebemos que estávamos indo contra elas. Temos que arranjar uma maneira de sair dessa.
A notícia boa é que a natureza se recupera. Igual a gente quando volta a fazer exercício físico depois de anos de sedentarismo, ou para de fumar mesmo depois que a luz amarela já piscou, a natureza é um organismo que se regenera e responde positivamente. As fazendas que restauram a mata ciliar, por exemplo, voltam a ter as nascentes de rios nos mesmos lugares que elas vertiam originalmente.
Numa cidade igual São Paulo é difícil refazer a mata nas beiras dos rios, até porque as margens foram destruídas. Assim como de pouca coisa adiantaria botarmos no chão o Minhocão – como eu já defendi aqui. Quem me fez ver o melhor caminho foi o Andrea Matarazzo, que aponta o modelo novaiorquino: criar um parque suspenso para atender a população que já mora e está voltando a morar no entorno.
É um projeto premiado aqui e, onde foi realizado, como em Nova Iorque, levou qualidade de vida e desenvolvimento. O High Line, como eles chamam a antiga linha de trem transformada em parque linear suspenso, agrada tanto que já é tão falada quanto o icônico Central Park. Aqueles apartamentos pobres onde a garçonete, o estagiário e outros tipos de grana curta moravam nos filmes do século passado, e tinham a vida pontualmente infernizada pela passagem do trem, agora são valorizadíssimos vizinhos de bares, galerias, hotéis e até um albergue da juventude.
Não é o cenário perfeito para as margens do Minhocão? Há um projeto vencedor do prêmio Prestes Maia de urbanismo que propõe criar uma passarela acústica onde hoje passam os carros e sobre ela o parque. Eu acho mais bacana criar o parque direto, com prejuízo do trânsito de carros – sou um radical, reconheço – mantendo a ideia das passarelas ligando o elevado aos andares equivalentes dos prédios por onde ele passa, desde que se mostrem adequados para instalação de bares, galerias, hotéis e até um albergue para a juventude.
A vida de volta à região seria o equivalente a um olho d’água que volta a verter com a restauração da mata ciliar. Vida, aliás, já há: no período noturno, enquanto o Minhocão fecha para os carros e abre para as pessoas, não é de hoje que se vê muita gente malhando, crianças brincando, velhinhos passeando. O parque só tornaria o passeio atraente e mais gostoso e fresco, e aqui em amplo sentido: delicado, refinado, sensível, ventilado e com temperatura civilizada. É de frescura que precisamos.