Creio que a maioria dos pertencentes à minha bolha gostam de defender o tal livre mercado. Comem com gosto o prato pronto cuja receita diz que o mercado se autorregula e não deve ter interferência Estatal. E regam tudo com o que alguém chamou de “champanhe da indiferença”.
A Ambev, por exemplo, é uma beleza para tantos. Menos do que já foi, é claro, os fatos estão aí e a cerveja não existe mais. Mas como o dono ainda é muito rico, merece aplausos, não pelo que faz, mas porque é muito rico.
Gostam dele e de todo rico a ponto de defenderem que o êxito financeiro avaliza qualquer outra atividade que se empreenda, inclusive política. Tanto faz se o dinheiro vem de agiotagem de automóvel, especulação monetária, falsificação de bebida. É sagrado o solo onde o capital se acumula.
Sob esses critérios elogiaram o Chile durante os últimos anos. O país mais próspero da região era um modelo a ser seguido. Privatizaram tudo, diminuíram o poder de barganha dos operários, assim como o dos políticos, e concentraram poder entre os donos do capital – “gente honestíssima, tão rica que não precisa roubar”.
Agora o mundo caiu. O Chile não tem mais o que vender para bancar o teatro do absurdo. Dos trabalhadores, tiraram até o medo, como se diz nas ruas de Santiago. E a primeira-dama, em telefonema com uma amiga grã-fina como ela, flertava com a guilhotina admitindo que terão que renunciar a alguns privilégios.
Na Ambev é parecido. A desigualdade que a empresa simboliza é vertiginosa. Das seis maiores fortunas brasileiras, equivalentes a todo dinheiro que têm os cem milhões mais pobres no país, três são da Ambev.
Tal feito só foi possível porque o tal mercado que se autorregula comprou tanto poder político que permitiu-se juntar todas as fábricas em uma e não só: ficaram até com a distribuição e com alguns pontos de venda, como por exemplo no carnaval, quando compram exclusividade. Não contentes, ainda têm subsídios para envasar água com açúcar em garrafa PET na Zona Franca de Manaus.
Com tamanha verticalização e concentração, fizeram o que quiseram das receitas tradicionais das nossas cervejas para aumentar a margem de ganho. Esfolaram clientes e fornecedores. E sapatearam na cara dos consumidores.
Agora, igual ao Chile, a Ambev não tem mais coelho para tirar da cartola. Diminuir ainda mais a qualidade dos produtos é impraticável. Refazer a respeitabilidade e o carinho pelas marcas destruídas, improvável. Apertar ainda mais fornecedores, suicídio em cadeia.
Nas operações mundo afora, acabou a mágica. Em um dia, perderam quase R$ 22 bilhões. E as ações seguem no modelo urso, em baixa. A única saída será finalmente começarem a trabalhar. Ou fazer cerveja.
Alguém poderá dizer, com razão, que este é o verdadeiro livre mercado. Saúdo! Mas terá que escolher entre uma das duas: defender o mercado ou elogiar o liberalismo ChiChi (Chile-Chicago), que produz monstros como a Ambev.